27 julho 2010

Reino dos Céus


Não me vou preocupar em avaliar a justiça da destituição do Padre Lopes nem as reacções desencadeadas pela população. Já disse que respeito o sacerdote, nas suas mais variadas valências e virtudes. Interessa-me, somente, descortinar as razões subjacentes a essas reacções. Um leitor do blogue disse, e muito bem, que semelhantes manifestações justificar-se-iam em acontecimentos passados, tanto ou mais graves do que a saída do Pároco Lopes.
A figura do Pároco possuiu sempre uma importância vital em Fafe. O Cónego Leite de Araújo representou uma época, protagonizando medidas que, bem ou mal – julgo que mais bem que mal – marcaram indelevelmente os destinos de Fafe. Possuía liderança e protagonizava lutas políticas, justificadas pelos tempos «ideológicos» das décadas de 70 e 80. A partir daí, o pároco começou a funcionar como um referencial.
Este referencial apresentava-se de acordo com duas nuances: primeiramente, revestia-se de um referencial culto, o que lhe dava um substancial poder sobre os partidos de esquerda que, apesar do apoio popular, nunca possuíam uma verdadeira inteligentzia; por outro lado, nos partidos de direita granjeava respeitabilidade e, até, um poder paternal. Curiosamente, seria este poder paternal que lhe forneceria legitimidade popular. O pai é tanto mais forte quanto menos disser. A dicção do Cónego era tão fraca que as pessoas pouco percebiam as homilias, mostrando-nos que mais importante do que a matéria é a forma do que é dito.
Com uma herança destas, o Padre Lopes «movia-se» bem, apesar da tarefa não ser fácil em virtude da herança. Muito «terra-a-terra», com discurso acessível, tornou-se, aos poucos, filho do povo e, simultaneamente, frequentava os círculos ditos cultos. Havia, e há, uma unidade convergente na sua pessoa, como bem se viu nos protestos.
Estas formas do exercício do poder eclesiástico promoviam a ideia fundamental do catolicismo: a unidade. As pessoas de Fafe, e possivelmente do resto do país, gostam disto. Gostam de protecção e de alguém que pense e execute por elas. Não me refiro pura e simplesmente ao espírito do «rebanho», mas à forma patriarcal com que os representantes eclesiásticos exercem as suas funções. Perdendo-se o pai, perde-se o norte.

António Daniel

12 comentários:

Anónimo disse...

Por esta razão só perde o norte quem já está perdido. O proprio Conego De Araujo dizia que ninguem é insubstituivel

Anónimo disse...

Eu olhei em torno, procurando-O. Ele não estava na Cruz. Dirigi-me ao templo do ídolo, ao antigo pagode; nenhum sinal Dele era visível ali. Fui então para a Caaba; Ele não se achava naquele refúgio de velhos e jovens. Perguntei a Ibn Sina (Avicena) do Seu estado; Ele não se achava ao alcance de Ibn Sina. Olhei para o meu próprio coração. Aí eu O vi. Ele não estava em nenhum outro lugar.

Jesus Martinho disse...

E... muitas vezes, o peixe morre pwela boca!

Jesus Martinho disse...

digo pela!!!

Anónimo disse...

Há pessoas que não se contentam em fazer as festas, ainda deitam os foguetes e apanham as canas

Anónimo disse...
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Pedro Fernandes disse...

Este artigo demonstra, no fundo, a importância da liderança, de alguém que as "guie", que as oriente.
O Padre Lopes conseguiu, através das suas acções próximas da população, uma liderança e unidade que confortava a população. Isso deve ser realçado e é muito importante na sociedade actual.
Com todos os seus defeitos e virtudes tornou-se o pastor de um rebanho que através da sua pessoa encontrava precisamente o carinho e o conforto semelhante a uma figura paternal.
O António Daniel desbravou um ponto de vista muito interessante neste artigo. Podemos ou não concordar com as regras emanadas pelas hierarquias católicas mas, no fundo, as pessoas hoje em dia, precisam de referências. Se o Padre Lopes era uma ajuda para ajudar a esse bem estar colectivo, a não alimentar uma doença social em que a descrença, a crise de valores, a incerteza e o medo estão a tomar conta da sociedade, a atitude do Bispo de Braga parace-me pouco sensata, embora seja legítima.

Jesus Martinho disse...
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Valdecy Alves disse...

Olá. Parabéns ao amigo blogueiro por ser um dos adeptos da mídia alternativa.

Leia matéria em meu blog sobre o mito da caverna de Platão e a educação no BRasil:

www.valdecyalves.blogspot.com

Comentário eliminado disse...

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António Daniel disse...

Obrigado pelos comentários, apesar de preferir que fossem nominais. Pedro, é óbvio que a liderança é um processo que tem de estar presente em qualquer dinâmica humana e a igreja, pela matriz que vincou ao longo de dois milénios, possui essa vertente de guia, apesar de eu, pessoalmente, advogar uma ideia mais liberal da existência. Ora, aqui reside o que de melhor e pior nós, minhotos em geral, temos: por um lado, um apego à simbologia religiosa incomparável e às tradições a ela associadas e, por outro lado, a incapacidade de tomarmos um projecto individual e de escolha. Será esta nossa incapacidade que promove as reacções populares, que sinceramente não gostei? Possivelmente, a melhor forma de aflorar estes acontecimentos seja através do humor, mas a mim o que me interessa é encontrar as razões para a exaltação verbal, vislumbradas através das vergonhosas imagens televisivas. A ausência de racionalidade e de ponderação nos assuntos respeitantes à acção da igreja assemelha-se a uma qualquer manifestação futebolística. A função cerebral desempenhada em ambos os fenómenos deve ser a mesma.

Pedro Fernandes disse...

A racionalidade nunca foi uma característica muito evidente na população fafense. Então quando os assuntos são o futebol, a religião e até mesmo a política, a emoção toma conta do cérebro mais racional.
Depois, no meio disto tudo, aparece a TV e aí já não há nada a fazer... a vontade de aparecer e a falta de ponderação das pessoas vem ao de cima.