03 março 2010
A Nossa Identidade
É de longa data a minha obsessão pelos destinos de Fafe. Sobre as razões, não as sei apresentar, a não ser a presença constante do cordão umbilical que demora a ser cortado, se é que alguma vez o será. Por esta ligação ser tão carnal, liberto-me de pudores e de possíveis recalcamentos, pelo menos num ponto de vista freudiano, já que utilizo a racionalização como forma de expurgar os fantasmas e procurar saídas.
Mais do que saber como estão as coisas interessa-me saber a razão pela qual as coisas são como são. Isto é, a realidade, como é cruel, tende sempre, ou a maioria das vezes, a ser alienada por fenómenos que transitam de uma constatação para uma cosmética. Por estar farto de cosméticas, a racionalidade dá-me meios para encarar de frente a crueza da realidade.
Os fafenses vivem sempre em representação (característica extensiva ao destino psicanalítico português, como bem afirma Lourenço), reveladora de uma consciência da sua fragilidade existencial que, como mecanismo de negação, torna o exercício da cidadania o desejo de agradar aos «outros». Por esse motivo, os fafenses espiam-se, controlam-se, apontam, criando uma teia emaranhada de relações que ofuscam, aprisionam e definham, tornando-nos ternuramente provincianos. E como gostamos de ternura! A consequência mais grave de tudo isto está na ausência de aprendizagem, na ausência de mútuo dinamismo do saber, na negação do diálogo que, tal como o conceito revela, exige uma síntese de vontades. Estão assim descobertas as razões da falta de rasgos por parte da sociedade civil e do poder político. Estaremos a tempo de mudar? Se não o houver, torna-se imperioso criá-lo. O tempo somos nós que o criamos, somos nós, individualmente considerados, que o balizamos. Agora, não me perguntem o que o tempo é. Como dizia S. Agostinho, se não me perguntassem o que é o tempo eu saberia responder.
António Daniel
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
15 comentários:
Dentro dessa "racionalidade", a "fragilidade existencial" dos fafenses é real ou imaginária? São frágeis por "fingirem" que são frágeis ou são mesmo frágeis?
(já agora,parece-lhe saudável, do ponto de vista freudiano, essa "presença constante do cordão umbilical"?)
Mais um texto muito bom do António Daniel. Fala da identidade fafense como Eduardo Lourenço ou José Gil falam da identidade portuguesa e de todas as suas condições psicanalíticas. À devida escala, obviamente, mas este seu texto revela, mais uma vez, um certo distanciamento perante Fafe que lhe confere alguma racionalidade e uma análise menos carregada de emoções mas simultaneamente, um grande conhecimento da nossa realidade intrínseca enquanto indivíduos e enquanto sociedade.
Falta-nos explorar um pouco esta condição de fafense e ao alargar este debate e esta análise filosófica e psicológica da nossa identidade, da nossa condição enquanto fafenses e provincianos..., desbrava novos conceitos que nunca foram abordados na nossa praça.
Já o texto anterior em que fala da nossa baixa auto estima e da nossa "ligação" ao apelido Guimarães, foi uma excelente análise sociológica.
Pedro, obrigado pelas suas palavras. Também penso que Fafe nunca teve grande disponibilidade para falar de si. A boçalidade desvirtua a racionalidade. Não pretendo fazer-me paladino do que quer que seja, simplesmente gosto de pensar Fafe e este serviço público desenvolvido por vós promove estas deambulações.
Alex, questão inteligente. Sabe, todos nós somos frágeis, Fafe também o é. O problema é que encaramos mal a realidade e, por isso, raramente fazemos dessa fragilidade a força que poderá impulsionar, o que nos torna ainda mais frágeis. Quanto à sua última questão, não lhe vou responder de um ponto de vista freudiano, respondo-lhe como fafense: Se um dia me faltar a puta da vitela, morro.
António Daniel, agora parece-me que acertou: "Sabe, todos nós somos frágeis, Fafe também o é."
O que eu acho é que isso que vem dizendo sobre Fafe se pode aplicar a praticamente todas as pequenas localidades de todos os países.
Fafe é mais provinciano do que o resto do país?
Mas mesmo que fosse um caso particular, a questão mais importante, e menos provinciana, seria, como resolvê-lo?
Caro Alex, os alentejanos usam muito o gerúndio: as coisas não se resolvem, vão-se resolvendo. O investimento na educação por parte da autarquia, proporcionando aos jovens e menos jovens visitas aos mais variadíssimos locais (não falo do foclore das festas dos idosos), investimento na cultura, difundindo mecanismos de promoção cultural alternativos, fixação de jovens quadros que estudaram noutras cidades mais cosmopolitas, dinamização de tertúlias da mais variada índole (tipo Clube dos Pensadores), assinar acordos com as escolas no sentido de proporcionar melhores meios de estudo e de suceso educativo, no fundo incentivar um verdadeiro espírito liberal onde as pessoas tomassem consciência do seu poder individual, do seu poder criativo, isto é, tornar as pessoas mais corajosas. Creio que realmente o que nos falta é uma certa urbanidade, quer físico, quer mental e moral. Agora, Alex, Fafe é um microcosmos que reflecte muito bem o que se passa o macrocosmos nacional. Aí concordo consigo. Porém, o tema é Fafe e, por isso, podemos e devemos promover as suas limitações e virtudes.
Abraço e obrigado pelos seus comentários.
Acho que este Blog já é um verdadeiro "Clube dos Pensadores". Serviço público sem dúvida!
Se há texto que subscrevo é este. A sua força interessam a uma intelectualidade em crescimento e, cada vez mais, acredito que surgirão mentes completamente inovadoras que romperão com esse provincianismo parvo de gente que 'só quer agradar' para uma verdadeira transformação da nossa cidade. São anos e anos de um controlo apertado e de uma tentativa quase diária de controlo do que se diz e do que se faz em Fafe, mas em todo o lugar. Existe, porém esta libertação e consequente despreocupação do que os outros dizem e pensam para se passar à acção definitivamente. O facto de se discutir Fafe representa, por si só, uma ligação que todos vão fazendo e, pelos vistos, ninguém quer cortar esse mesmo cordão umbilical, apesar de muitos estarem a maior parte do tempo fora da cidade. Haja coragem, haja uma efectiva aposta numa viragem de mentalidades, mas com vitela, apenas o que eu chamaria 'revolução cultural' dentro da nossa cultura e características tão nossas.
Parece-me que essa "mudança de mentalidade", o que quer que queiram dizer com isso, terá como único resultado: uma "mudança de mentalidade".
Teremos então o mesmo número de desempregados mas com "uma nova mentalidade", e jovens licenciados a receberem 500 euros por mês a recibos verdes mas com uma "mentalidade urbana" e pequenos comerciantes na falência mas com uma "boa auto-estima"...
Nascida e criada em Fafe, aprendi a viver com a realidade e a adaptar-me a cada aspecto desta cidade que tanto adoro. Apesar de passar temporadas fora, digo sempre que o meu lar é esta cidade meia perdida no Minho, quase a cheirar a transmontana.
A verdade é que é demasiado grande para conhecermos toda a gente, e ao mesmo tempo demasiado pequena, e desta forma inevitavelmente existe uma curiosidade pela vida alheia. Mas tenho de confessar, esta é uma das características desta terra... procurar a sua identidade, o seu lugar. De querer crescer, mas ainda não saber bem como.
Deixo também a referência a um historiador que muito gostava, ao Miguel Monteiro, que graças ao livro "Fafe dos brasileiros" que me foi oferecido quando tinha apenas 10 anos, deu-me a oportunidade e o prazer de folhear por várias vezes todas aquelas páginas, e aprender a VER Fafe.
Parabéns António, pelo texto, mas acima de tudo pelo orgulho em ser fafense.
A qualidade de todas as intervenções e opiniões é demonstrativa da capacidade intrínseca das nossas gentes.
Fico feliz por constatar que há PESSOAS que se interessam pela nossa identidade e se sentem motivadas a discuti-la.
Necessitaremos, de facto, de uma mudança de mentalidade?
Eu julgo que apenas precisamos de nos envolver, contribuir dentro das nossas possibilidades para ajudar a mudar o "Status Quo".
Não acredito que a evolução ocorra por "inspiração divina". É produto do suor e do trabalho.
Por isso, o meu lema é: “envolvamo-nos na mudança”.
Eu, pela minha parte, já o vou fazendo:
- nos Bombeiros de Fafe;
- na Coopfafe;
- na política, onde não tenho qualquer ambição que não seja querer melhor;
- no próximo dia 20, "Limpando Portugal".
Eu acho que aqui é que está a verdadeira revolução cultural. Cidadania activa e consciente.
Alex, compreendo a sua insatisfação e sou solidário com ela. Contudo, uma coisa não implica a outra. Até julgo que, se os horizontes se abrirem, então haverá certamente outro tipo de iniciativas e oportunidades. Aliás, a economia não deve nunca ser um domínio estanque. Podemos até questionar se a industrialização que se verificou no séc. XX não teria outro desfecho caso houvesse um acompanhamento das mentalidades. Além disso, não quero de forma alguma sugerir a ideia de uma altivez cultural que se sobreponha à dinâmica social e económica. Numa perspectiva holista, tudo está relacionado. Aí tenho de estar de acordo com o Pedro Sousa. É o carácter argumentativo, a expressão da liberdade que é necessário empreender.
Quelarinha, obrigado pelo seu comentário. Sempre que posso visito o seu blog e é com satisfação que vejo gente com bom gosto. Efectivamente, Fafe está numa espécie de moratória, não sabe muito bem para onde há-de ir, mas já é importante ter uma identidade. Mal estaríamos se a não tivessemos. Seríamos uma periferia. O exemplo que deu do Prof. Miguel (sempre o tratei assim)é paradigmático. Ele foi um dos que mais fez pela cultura de Fafe e pela sua identidade.
Concordo inteiramente com o Miguel Summavielle: "Cidadania activa e consciente".
Acabemos com a "tragédia dos bens comuns" e sintamo-nos todos parte de um mesmo ecosistema.
Devo dizer antes de mais que sou Fafense, adoro a minha cidade… contudo a identidade das cidades é criada pelas pessoas que nela habitam, e nisso não vislumbro quaisquer diferenças em relação a outras pequenas cidades minhotas e até mundiais.
O problema de Fafe parece residir no caciquismo instaurado, e que remonta ao liberalismo… e que muito me revolta. Não o é contudo problema único de Fafe, mas do País inteiro… a sua resolução não se perfila fácil, uma vez que não bastará mudar o “regime” vigente para instaurar um novo, mudando apenas a cor política.
O maior problema de Fafe, é o de não se vislumbrarem opções validas no contexto político actual. Mudar um lobby, apenas para instituir um novo, não me parece muito lógico. O problema reside nas mentalidades instaladas, e quem critica o sistema, são os mesmos que faziam precisamente o mesmo se pudessem ocupar a cadeira… dar “jobs para a sua rapaziada”. É isto que é preciso mudar… o paradigma que a politica local apenas serve para arranjar tachos para a rapaziada, enquanto o paradigma não mudar… não mudará Fafe… não mudaram as pessoas de Fafe… e muito menos todos os lobbys instalados ou que almejam instalar-se.
Quando o Rui diz: «O problema de Fafe parece residir no caciquismo instaurado, e que remonta ao liberalismo». Porquê o liberalismo?
Antes de responder à sua questão, quero agradecer-lhe pelo comentário no “meu Blogue”: brigadascinzacoelho.blogspot.com
Quando digo que o “caciquismo remonta ao liberalismo” digo-o porque no absolutismo o rei, nomeava quem bem entendia sem ter de justificar o critério.
Contudo com o liberalismo, surge também a instauração de eleições directas para a eleição dos respectivos vereadores e do respectivo presidente de câmara municipal, como refere o artigo n.º 220 da constituição de 1822.
Assim o caciquismo depende de um sistema eleitoral, de um “Conjunto de acções políticas de carácter local, regional ou federal, onde se aplica o domínio económico e social para a manipulação eleitoral em causa própria ou de particulares.”
Enviar um comentário