02 novembro 2011

O Rio do Matadouro

Assim fora designado o rio que serpenteava as margens da Ponte do Ranha. Ao lado do Matadouro, alheias aos gemidos fúnebres dos animais, as mulheres castigavam as mãos na rudeza da água que, por mais translúcida que fosse , parecia quente. Os sabões, comprados ao quilo na venda do Canedo, ainda com o papel tão característico a servir de invólucro, deslizavam na roupa com suavidade, contrastando com os preparativos da lavagem de mantas, carpetes, tapetes e afins. Sobre aquelas pedras de granito, esfregava-se com veemência, revelando a minhota em todo o seu esplendor. Pujante na atitude, com o verbo malicioso na ponta da língua, apontava o norte através da palavra para atenuar o esforço do manejamento das pesadas peças molhadas. Toda a sua beleza reinava naquele poder surpreendente onde a sonoridade permanente de uma pequena queda de água abafava as vozes mas revelava o corpo.
Destas ambiências comungavam os putos. Com um enquadramento maternal próprio da minhota, com marcação à zona, molhavam-se numa alegria estonteante, entre as gotículas a comungarem com o sol a beleza das cores. Assim começámos a admirar as nossas mães.
Todos aqueles habitantes da Ponte do Ranha tinham uma tendência desmedida por Parcídio Sumavielle: Colocou uma cobertura no tanque coletivo, tornando possível a lavagem no Inverno.
Como os tempos se alteram…

(homenagem à minha querida mãe)
António Daniel

9 comentários:

Mario Costa disse...

Adoro as historias da cidade em que nascimas que pouco vivi!!!.
Parabens, continue as contando.

Jesus Martinho disse...

Texto delicioso, repleto de memória e nostalgia!

Maria disse...

Recordar é viver. Ainda bem que este blog dá oportunidade a senhores como António Daniel para expressarem as suas memórias. Obrigado por me rever também nestas breves linhas.

Alex disse...

Bonito texto.

Aureliano Barata disse...

Que texto gostoso de uma realidade que ainda vivi. Os autarcas sabiam (sabem)que é nas pequenas (grandes) obras que se ganham as eleições. Os tempos são outros e dos fontanários aos tanques cobertos se passou para os parques de merendas espalhados por todo o lado.
Em tempo de escassez de meios é bom lembrar o tempo passado, para termos força e energia para inventarmos um novo futuro menos consumista e mais solidário.
Não esquecer que era pela Ranha que seguia a antiga via para Basto. Seria importante não destruir esses vestígios antigos e recentes da nossa memória.

António Daniel disse...

Mário Costa, ainda está a tempo de voltar...
Jesus Martinho, este texto certamente vai ao encontro das suas lutas...
Maria, ainda bem que se revê. Todos nós sentimos na carne o que foi ser minhoto...
Alex, obrigado.
Aureliano, obrigado por ter saboreado... A acção política visa resolver problemas. Só que os problemas são circunstanciais...

Maria disse...

"A minhota em todo o seu esplendor".Isso é muito bonito!Com sabão lavavamos tudo. O soalho, a roupa, as malgas e os pratos. Depois o cheiro a lavado, lavava a nossa alma.

ZEZA disse...

Adorei o texto, porque me fez recordar a minha infancia vivida ali naquela rua maravilhosa Ponte do Ranha , gente boa que nunca vou esquecer, tenho saudades desses tempos , que se brincava na rua até anoitecer , e se lavava as roupas no rio do Madouro naquela agua cristalina , parabéns pelo Bloog....GOSTEI !

José Mário Ribeiro Silva disse...

José Mário comentou : Muito belo o teu texto Daniel. Toca bem fundo nos corações de todos , mas em particular nos nascidos ou residentes na zona da Ponte do Ranha. Uma nota mais pessoal. Agora que nos restam as lembranças desse tempo foi para isso mesmo que como presidente da junta de Fafe concluí as obras de restauro do tanque público em pedra e telha, bem como da beneficiação da zona envolvente e ainda da recuperação do moinho. Além de tudo isto, a freguesia também ajudou a que a sede do rancho folclórico de Fafe fosse instalado no antigo edifício do matadouro municipal, tudo para memória futura . Desnecessário será dizer que a freguesia também deu o seu contributo monetário para a remodelação do edifício. Um patrocínio e um resgate à saudade de nossos pais,familiares e amigo(a)s. A rua e Fafe merece!