23 junho 2013

Ponte do Ranha


A Ponte do Ranha sempre foi uma rua muito especial. Os indefectíveis defensores da zona da Fábrica do ferro ou da Rua de baixo, não comungarão desta opinião. Possivelmente a razão lhes assiste porque a especialidade também lhes assentava, embora não tivessem o Canedo como o seu centro. Neste ponto nevrálgico, a rua possuía em doses proporcionais a vanguarda da alcoolemia da vila, o poiso das «Minhas Putas Tristes» e a imensa generosidade das pessoas. Públicas virtudes e públicos defeitos. Tudo fora transparente. Eu pertencia à Ponte do Ranha. A memória mais presente era dos cheiros: o cheiro da mercearia do Canedo contrastava com as «tosses», os monólogos imprecisos e as palavras «peludas» oriundos do tasco; o cheiro do medo dos ruminantes na aproximação ao dia do juízo final; o cheiro do sabão rosa que se banhava nas cristalinas águas do rio. Mas havia ainda um local de romarias juvenis: o «poço da moçarada». Pela Ranha acima, dirigiamo-nos ao poço. Este poço possuía só por si a ideia de algo sem fundo, o que o tornava uma espécie de ambivalência: algo que deveria ser, simultaneamente, evitado, pelo menos no que respeita aos sonoros impedimentos maternais e experimentado, pelo menos no que diz respeito às exigências das hormonas juvenis.

A Ponte do Ranha perdeu tudo isto e ganhou muito pouco. Descaracterizada, sem as suas soleiras onde se desdenhavam vontades alheias, a Ponte do Ranha perdeu a identidade. É necessário salvá-la começando pelo caminho da Ranha.

António Daniel

3 comentários:

Anónimo disse...

Logo a seguir à pátria que me viu nascer
Na ponte do ranha
Que tão bem me soube acolher
A ouvir a agua do rio a correr
Com a soleira virada ao sol
Para me aquecer
Na ponte do ranha
Gostaria de viver


Maria


Ginho87 disse...

Já tinha visto isso na Facebook dele e achei piada a que não soubesse o nome do rio... "Ponte sobre o Rio da Ponte do Ranha". Desenrascado é :)

pedromiguelsousa disse...

Depois deste texto aos modos queirosianos, só me resta dizer: Senhores políticos, façam todos como o Pedro Gonçalves e saiam para as ruas com as vossas máquinas fotográficas. Com isso, não só conseguem registar situações menos positivas e provocar as suas melhorias, mas também estão a contribuir para relembrar memórias e deixar legados para o futuro quer nas imagens quer nestes textos que, até a mim que não conhecia essas vivências - embora identifique os cheiros facilmente, deixam impressas linhas tão características de um Minho e de suas gentes.