21 dezembro 2013

Raul Cunha em Entrevista



Raul Cunha é o novo presidente da Câmara Municipal de Fafe. Venceu as últimas ‘autárquicas’ por apenas 17 votos de vantagem e fez uma coligação pós-eleitoral com PSD, partido a quem entregou pastas importantes como o Plano Director Municipal, obras particulares e concessões de água e saneamento. O independente eleito pelo PS assume “unidade na acção” com os sociais democratas.

P - A sua vitória tangencial como independente numa lista do Partido Socialista foi também quase problemática para um partido que tinha maioria absoluta na Câmara Municipal de Fafe.
R - É como diz. Tivemos uma vitória por 17 votos mas em democracia por um voto se ganha e por um voto se perde. O que me tranquiliza é que esta vitória deve ter sido a mais escrutinada no país. Houve várias contagens e foi confirmada pelo Tribunal Constitucional duas vezes.

P - Com mais consequências do que a diferença de votos é o facto de o PS ter perdido a maioria absoluta e ser obrigado a um entendimento político com o PSD.
R - Nós entendemos que um município precisa de ter alguma estabilidade para poder enfrentar os problemas e as grandes dificuldades que atravessa nesta altura. Uma vez que eleitorado decidiu retirar a maioria absoluta ao PS, haveria que respeitar os resultados das eleições e procurar os entendimentos para uma maioria estável através de um protocolo de entendimento entre o PS e o PSD. O acordo envolve-me a mim e o primeiro candidato do PSD, Eugénio Marinho, mas também as comissões políticas concelhias do PS e do PSD.

P - Quer dizer que, para além do entendimento a nível da vereação, há um acordo partidário?
R - Devo sublinhar isso. Há aqui a procura de uma certa unidade na acção. O acordo reflecte-se na Assembleia Municipal.

P - Não sente que o seu mandato pode sair fragilizado com este acordo, por ter cedido pastas importantes da gestão municipal aos vereadores da oposição. Noutros concelhos onde não se verificou uma maioria absoluta, optou-se por não haver acordos de governação…
R - Nós achamos que o facto de não termos maioria e o quadro de dificuldades financeiras que temos no país obrigavam a uma estrutura estável no município. Entendemos a participação do PSD no executivo não no sentido ‘nós e eles’. Distribuímos as pastas que acordámos com o PSD e agora temos um único governo do município. Estamos todos no mesmo barco a enfrentar os problemas que temos no município.

P - Esse entendimento com o grupo Independentes por Fafe foi tentado?
R - Não houve qualquer abordagem da nossa parte ou da parte deles. Penso que ficou um bocadinho a marca das divergências e da forma como decorreu o processo eleitoral. O que nós não entendemos foi a forma como decorreu a contestação aos resultados eleitorais, com acusações de fraude. Da nossa parte, houve sempre uma postura de seriedade. Mas isso é passado e os vereadores independentes têm tido uma postura de aproximação e discussão dos problemas.

P - Os relatos que têm surgido das primeiras reuniões de Câmara dão conta de um clima de entendimento. As acusações sobre o processo eleitoral estão dissipadas?
R - Pela minha parte foi um página do passado que virámos. Eu compreendo que, se não é muito simpático ganhar por 17 votos, deve ser muito pior perder pelo mesmo número. Alguma frustração entende-se, agora houve excessos que não facilitaram o diálogo quando foi preciso negociar alguns entendimentos. O PSD manifestou, logo na noite eleitoral, abertura para um entendimento com o PS.

P - Como analisa a redução dos votos no PS em Fafe, um concelho tradicionalmente socialista?
R - Há algumas circunstâncias menores e outras que eu considero mais importantes. Por um lado, a necessidade que o eleitorado teve de mudança. Por outro lado, as divisões no PS. Eu aceitei entrar neste processo de boa fé e para unir o PS. O que é facto é que uma parte do PS não se reviu na solução que a comissão política apresentou com o meu nome e, de uma forma mais ou menos ostensiva, fez alguma contestação à nossa candidatura. Houve também a questão dos independentes, que muitas vezes não são independentes, têm origens políticas bem conhecidas, mas que passaram como independentes. O PS teve que fazer um esforço grande para chegar à vitória.

P - Não é militante do PS. Está a pensar filiar-se?
R - Já me fizeram essa pergunta várias vezes. Costumo responder que esta é uma questão dos dois lados. Nem eu tenho sentido necessidade de me filiar no PS, nem o PS tem necessidade da minha filiação.Temos colaborado bem. Não é um assunto que esteja em cima da mesa.

P - Tendo em conta as divergências que houve no PS nas últimas eleições, teme que as mesmas acabem por ter reflexo no seu mandato?
R - Não temo isso. O PS teve eleições internas muito recentemente. O novo presidente, Francisco Lemos, é um dos elementos que desde a primeira hora me apoiou. A nova comissão política é de consenso. Não sinto nenhuma quebra de solidariedade em relação ao grupo camarário.

P - Não teme a manutenção do grupo Independentes por Fafe como força política?
R - Encontro uma grande diversidade de origens ideológicas nesse grupo: ex-comunistas, pessoas ligadas ao Bloco de Esquerda, sociais democratas e ex-socialistas. Falta-lhe alguma coesão ideológica, mas pode ser que não seja questão muito premente. Vamos aguardar.

P - Há quem considere que cedeu pelouros importantes da gestão municipal ao PSD, partido que terá um peso na vereação superior à sua expressão eleitoral.
R - A escolha dos pelouros para distribuir pelos vereadores foi feita mais na base das competências das pessoas do que propriamente estar a pesar à grama qual a força relativa de cada grupo no executivo. É uma aprendizagem em Fafe termos mais do que uma força política a governar a Câmara. Estamos a fazer um esforço para que o executivo seja coeso. Passámos a ter reuniões semanais de trabalho.

P -Portanto, não vai ser difícil elaborar o plano de actividades e orçamento para 2014.
R - A dificuldade advém do tempo para os fazer. Começámos mais tarde. Em termos legais podíamos ter adiado esse trabalho para Fevereiro, mas é preferível começar o ano com um orçamento do que governar o município em duodécimos durante dois meses.

P - Quais são os eixos estratégicos do plano e orçamento da Câmara de Fafe para 2014?
R - Como poderá facilmente perceber-se, partimos do princípio de que este será o ano zero da nossa governação. É normal que os municípios tenham um esforço acrescido nos anos eleitorais. É ponto de honra cumprir os compromissos que vêm de trás e concluir projectos que se iniciaram no ano anterior. Vamos ter necessidade de reforçar a nossa preocupação com as questões sociais, o emprego, a habitação, o apoio aos idosos.

P - Disse na sua tomada de posse que o período das grandes obras também terminou em Fafe. Isso decorre do facto de o concelho já estar bem servido de equipamentos públicos e de infra-estruturas, ou é consequência da situação financeira do país e das câmaras municipais?
R - O sublinhar o apoio às pessoas, à cultura, ao turismo, às questões sociais não é novidade. Já há dez anos nós reconhecíamos que as infra-estruturas pesadas estavam a ficar prontas e que tínhamos de investir noutros valores e noutras preocupações. Iremos caminhar seguramente para uma sociedade que valoriza mais os aspectos sociais, culturais e do turismo do que propriamente as infra-estruturas. Claro que nós, em Fafe, ainda temos alguns problemas, nomeadamente ao nível do saneamento básico. O quartel da GNR também já não tem condições para os agentes exerceram a sua actividade. A construção do novo quartel vai arrancar no próximo ano em terreno cedido pelo município. Outro dos investimentos grandes é na área da habitação. Nós temos de continuar o nosso programa de recuperação de habitação degradada.

P - Através da atribuição de cheques às famílias?
R - Não é bem isso. A política inaugurada por mim enquanto vereador da Acção Social foi criar um programa municipal que concedesse uma comparticipação da autarquia para melhorar as condições de habitação que não fosse uma esmola. Com determinadas condições, a Câmara fiscaliza a obra, faz o projecto e o acompanhamento social das famílias. O bairro social da Cumieira está a precisar de uma intervenção pesada. Já está sinalizado no próximo orçamento para, quando tivermos acesso ao novo quadro comunitário de apoio, apresentarmos uma candidatura.

P - No último ano tem sido falada a transferência do Hospital de Fafe para a Santa Casa da Misericórdia. Como está esse processo?
R - A questão do Hospital tem-se arrastado desde 2006. O Hospital de Fafe, no final da década de 80, era distrital tipo 1, com poucas valências e muito dependente do exterior. Os vários governos começaram a achar que este tipo de hospitais não fazia sentido. O Hospital de Guimarães está a dez minutos de distância. Foi criado o centro hospitalar com pólos em Guimarães e Fafe e pareceu-nos, na altura, que essa seria a melhor solução para o Hospital de Fafe não perder a sua diferenciação técnica. Pensávamos que o assunto estava resolvido e, de repente, começam a surgir notícias de que o centro hospitalar seria amputado do Hospital de Fafe. Isto é que nos parece estranho. Em que é que foi baseada esta decisão? Quais são os ganhos que se vão conseguir com a passagem do Hospital de Fafe para a Misericórdia?

P - A sua opinião enquanto médico corresponde à do político?
R - Eu ainda não consegui descobrir os estudos que demonstram que isto é útil! O que me disse recentemente a senhora provedora da Misericórdia é que também ficou surpreendida por que é que Fafe foi escolhido.

P - Não há uma reivindicação da Misericórdia de Fafe para gerir o Hospital?
R - O que eu percebi é que a Misericórdia aceita colaborar nisso. Não partiu da iniciativa da Misericórdia querer ficar com o Hospital.

P -O que é que o preocupa, havendo na região vários hospitais geridos por misericórdias?
R - Não é a mesma coisa termos um hospital privado com acordos com o Serviço Nacional da Saúde, ou ter um Hospital da rede pública. A minha luta não é por o Hospital de Fafe estar ou não no Serviço Nacional de Saúde, a minha luta é por ter um Hospital em Fafe que preste serviços de saúde de qualidade.

P - Parece-me que estamos a especular sobre não decisões.
R - Acho que há um decreto-lei que enquadra este tipo de cedência às misericórdias.

P - Outros autarcas da região têm manifestado preocupação pelo encerramento de serviços públicos nos seus concelhos. Em Fafe, para além do Hospital, há outras preocupações?
R - O que está a acontecer é, a pretexto da crise, um movimento de centralização de como não me lembro. Era mais ou menos pacífico na sociedade portuguesa que um movimento de regionalização ou descentralização permitiria gerir melhor os recursos e as necessidades das pessoas. Por causa da crise, o Ministério das Finanças tem sido o motor de um movimento nacional de recentralização. Não concordo. Penso que é possível, com os meios electrónicos de controlo, fazer uma gestão de proximidade mais eficiente e controlada do ponto de vista financeiro.

P - Não há nuvens no horizonte quanto ao encerramento de serviços em Fafe?
R - Há. A reforma judiciária está a esvaziar o Tribunal de Fafe; ao nível dos cuidados primários de saúde, extinguiu-se o Agrupamento de Centros de Saúde de Terras de Basto.

P - O esvaziamento processual do Tribunal tem sido notório?
R - O que me dizem os profissionais é que a reforma judiciária em curso está a esvaziar o Tribunal de competências e que este está a ficar com questões menores. Não se está a pôr ainda a questão do encerramento. Tenho programado um encontro com dirigentes dos vários serviços públicos no sentido de sabermos em que ponto está a situação de cada um. A tradição de separar muito o que é competência das autarquias das competências do poder central retira capacidade de reivindicação aos responsáveis que estão nos concelhos. A Câmara deve ser porta-voz e dar-lhes força perante o poder central.

P - Recentemente, no Congresso Social do Vale do Ave, apontou a falta de regionalização como causa dos problemas de coesão social da região.
R - Eu não sou político profissional. Sempre fui a favor da regionalização. No Norte ganhávamos muito em ter um poder regional legitimado eleitoralmente. Temos as CCDR e as CIM, mas a legitimidade eleitoral dava mais força para reivindicarmos.

P - Qual é o orçamento da Câmara Municipal de Fafe para 2014?
R - É um orçamento muito semelhante ao de 2013. (n.r, 37,4 milhões de euros).

P - Houve redução das transferências do Orçamento de Estado?
R - De mais de um milhão de euros.

P - Como a vão compensar?
R - Com um orçamento muito equilibrado. Com uma gestão muito rigorosa, embora seja muito difícil superar o meu antecessor, José Ribeiro, no rigor da gestão da Câmara.

P - Que herança recebeu em termos financeiros?
R - A câmara de Fafe não tem dívidas, paga aos fornecedores a 30 dias. O problema são os encargos assumidos em 2013 e o facto de estarmos a fazer o orçamento muito pressionados pelo tempo. Hoje, fruto das incertezas e da volatilidade das coisas, vamos ter certamente de fazer revisões orçamentais. Durante o ano de 2014, iremos corrigindo o que for necessário.

P - Qual é a sua estratégia de desenvolvimento para o concelho de Fafe?
R - Captar investimento para criar receita e emprego. Fafe passou pelo fim das grandes empresas têxteis, como a ‘Fábrica do Ferro’ e a ‘Alvorada’, que cumpriram o seu ciclo de vida, e sofremos o impacto da crise actual. Uma das nossas apostas é criar condições para que os fafenses possam concretizar as capacidades de iniciativa que têm. Os fafenses são muito empreendedores. Também é aposta ter capacidade para atrair pessoas de outros concelhos. No pouco tempo que levo à frente do município já recebi empresários de concelhos vizinhos, Guimarães e Felgueiras, para avaliar a possibilidade de se instalarem em Fafe. Para isso, criei dentro da Câmara um gabinete pouco burocratizado de modo a acarinhar os empreendedores. Os empreendedores que pretendam investir em Fafe têm um gestor do seu processo, de forma a que não haja entraves. Os projectos de investimento em Fafe têm máxima prioridade. Estamos a alargar a zona industrial do Socorro e a tentar criar zonas industriais novas.

P - Em termos de acessibilidade, a auto-estrada veio resolver muitos problemas em Fafe?
R - Foi uma óptima ajuda. Devemos aproveitar a nossa localização estratégica na região. Em termos de acessibilidade falta-nos resolver o problema da ligação da zona industrial de Arões à via rápida que liga Guimarães a Fafe.

P - Para a captação de investimento, a Câmara de Fafe vai ter uma política fiscal mais agressiva?
R - Já temos trabalho feito. Vamos manter a derrama melhorada para as empresas com lucros até 150 mil euros, temos a taxa do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) no mínimo legal, temos a redução de 2% da taxa do IRS de que a câmara pode dispor.

P - Referiu atrás carências ao nível da rede de saneamento básico. O que falta fazer?
R - Apesar de Fafe ter taxas de saneamento que não são muito simpáticas, à volta dos 40%, tem mais de 78% da população coberta. O concelho é grande. Através da concessão que já fizemos com a empresa ‘Águas do Noroeste’, vamos começar obras de forma a aumentar a taxa de cobertura para níveis mais compatíveis com o século XXI.

P - Inicia este mandato com o arranque de um novo quadro comunitário de apoio. Que projectos já tem desenhados para captar investimento por esta via?
R - Não é possível ver coisas muito concretas. O que sabemos é que há projectos na área da Cultura e do Turismo que são interessantes e que podem ser projectos âncora para projectarmos o concelho para fora. Temos uma vontade muito grande de dar uma projecção ao concelho compatível com aquilo que cá se faz, que mostre a Portugal e não só que há muitas coisas interessantes e positivas em Fafe e que não estão a ser divulgadas. Tem havido uma menor preocupação com a informação. O bairro social da Cumieira é muito importante. Penso que só será possível fazer a recuperação com fundos comunitários.

P - O novo quadro comunitário privilegia a cooperação entre municípios. A Comunidade Intermunicipal do Ave terá um papel fundamental?
R - Pretendemos ter um papel activo na CIM. A CIM do Ave tem nova liderança e temos esperança de que consiga cumprir as tarefas que lhe compete e iremos dar o contributo para que isso se concretize.

In www.correiodominho.pt
José Paulo Silva

1 comentário:

Anónimo disse...

17 votos? Isso diz o PS, foram bem menos. Mas para a próxima saem, porque as pessoas estão a abrir os olhos, e com este novo presidente do PS, que está com um olhinho num lugar de ministro ou deputado e a usar a sua terra como trampolim, não me parece que vá longe. O povo quer pessoas verdadeiras, não ricos armados em amigos do povo.