Corria o ano de 1980, quando em 18 de maio cheguei a Fafe, mais precisamente ao lugar de Santo Ovídio. Integrado numa equipa técnica da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, acabei por ficar ligado a Fafe, onde durante cinco anos consecutivos participei nas campanhas de escavação do povoado castrejo de Santo Ovídio.
Quis o “destino” que por cá encontrasse companheira, consumando o enlace na “acrópole” do povoado, na capela barroca de Santo Ovídio.
Na época, Fafe era uma vila pacata, como tantas outras do interior minhoto, tinha um ambiente sossegado, à exceção das quartas-feiras com o bulício da feira semanal; tinha linha férrea de ligação via Guimarães, esquadra da PSP, posto da EDP e um Centro de Artesanato; tinha um Teatro-cinema “moribundo” onde ainda assisti a várias fitas, aproveitando o intervalo para queimar pouco mais de dois tostões de tabaco sem ter de sair da sala.
Pouco depois surgiu o Estúdio Fénix, a sala de cinema, espetáculos e outros eventos da Vila; tinha o Rali de Portugal que deu a Fafe uma visibilidade internacional. Realizavam-se duas grandes Festas Culturais: a do livro e do Artesanato. No Zé da Menina degustei a genuína vitela à moda de Fafe e no verão, o Jardim do Calvário era concorrido, talvez pela existência de um bar junto ao coreto.
Lembro-me dos corsos carnavalescos organizados pelo Grupo Nun’ Álvares que povoavam o centro cívico com centenas de foliões e milhares de populares.
As tradicionais corridas de Maio faziam-se em plena praça 25 de Abril, e o povo delirava com as peripécias da emblemática prova.
Não havia grandes superfícies comerciais, nem “chinesices”, o comércio, agora designado tradicional, era uma feira contínua onde os produtos eram expostos, bem à vista, no exterior das lojas.
Os automóveis escasseavam a contrastar com o movimento de transeuntes. Na guarda em ferro da Arcada, dezenas de homens “controlavam” o centro da Vila, enquanto “lavavam roupa suja”, qual “lavadouro transvestido”.
Existiam tascos, cafés, casas de pasto e pensões que viram a forte concorrência dos “snacks” furtar-lhes a clientela… na época, alguns fechavam cedo, depois das quatro da madrugada...
As Festas do Concelho e as Feiras Francas ocupavam o espaço central da Vila que fervilhava ao receber o negócio ambulante e os milhares de fafenses e forasteiros, que ainda não tinham de pagar para ver.
Fafe da primeira metade dos anos 80 do século passado era uma Vila plácida mas encantadora, era a “Sala de Visitas do Minho” onde a sua “justiça” era um mito espalhado pelo mundo, que lhe conferia popularidade.
Os fafenses da Vila de antanho eram bairristas, gostavam e defendiam as suas tradições, o seu património, a memória coletiva deste rincão que um dia soube acolher-me, ocupando um lugar muito especial neste meu peito que continuará exposto às “balas” em defesa dos valores genuínos da Cultura desta Terra, cada vez mais descaracterizada, aparentemente rendida a uma globalização cujos interesses económicos vão, gradualmente, destruindo as nossas raízes em proveito de um desenvolvimento cada vez mais contestado, onde o cidadão comum é o “elo mais fraco”.
Jesus Martinho
2 comentários:
Entendo bem essa nostalgia. Obviamente que nem tudo piorou, algumas coisas estão melhor hoje, mas muita muita coisa estava melhor como estava.
Gostei também que tivesse referido a relação entre a chamada globalização económica e as alterações no nosso meio local.
Parabéns.
Apesar disso, creio que, por muito paradoxal que isso possa parecer, quanto maior for a tendência para a descaracterização mais premente se torna procurarmos a identidade das nossas raízes. Ainda bem que vão aparecendo alguns «jesus» que nos promovem.
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